Desde que o movimento da “vergonha do voo” começou a encorajar os viajantes a buscar alternativas mais ecológicas aos aviões, muitos na Europa têm procurado a extensa rede ferroviária do continente para substituir as viagens aéreas de curta distância.
Houve progresso, com companhias aéreas como a transportadora holandesa KLM entrando em parcerias ferroviárias em certas rotas, e alguns países como a Áustria e, mais recentemente, a França, buscando restringir rotas internas onde os trens estão disponíveis.
Isso ocorre em meio a uma revolução ferroviária palpável na Europa continental, com novas rotas e operadoras de alta velocidade entrando em operação, uma reversão no declínio dos serviços noturnos, novos túneis reduzindo o tempo de viagem e novas locomotivas melhorando a confiabilidade e a eficiência. Na Espanha, Alemanha e Áustria, as ofertas de passagens baratas também desempenharam seu papel.
Com tanto investimento ferroviário, certamente, é apenas uma questão de tempo até que o continente dependa quase exclusivamente de suas estradas de ferro para se locomover e os céus fiquem mais vazios.
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Na realidade, tal como acontece com muitos esforços para inovar longe de práticas prejudiciais ao meio ambiente, há boas e más notícias. Correções estão sendo feitas, mas nenhuma delas é rápida, e não há sinal de que os aeroportos da Europa vão ficar mais silenciosos tão cedo.
Movimento simbólico
Este ano começou forte com uma nova legislação prometida na França que proibiria voos de curta distância em várias rotas domésticas para ajudar o país a reduzir os níveis de poluição do planeta. Embora aprovadas por autoridades da União Europeia (UE), as medidas parecem limitadas em impacto.
Para que a proibição se aplique, a UE insistiu que a rota aérea em questão deve ter uma alternativa ferroviária de alta velocidade que permita viajar entre as duas cidades em menos de duas horas e meia. Também devem haver trens suficientes cedo e tarde, para permitir que os viajantes passem pelo menos oito horas no destino.
Isso significa que, no momento, apenas três rotas serão selecionadas: as que ligam o aeroporto de Paris-Orly às cidades de Bordeaux, Nantes e Lyon.
De fato, a decisão da Comissão Europeia enfraqueceu os planos originais franceses, que teriam encerrado mais cinco rotas: do aeroporto Paris Charles de Gaulle para Bordeaux, Nantes, Lyon e Rennes, bem como uma rota de Lyon para Marseille.
O resultado, dizem os críticos, é algo que fala da boca para fora sobre as preocupações climáticas, sem realmente fazer nada a respeito.
“A proibição de voos na França é um movimento simbólico, mas terá muito pouco impacto na redução de emissões”, diz Jo Dardenne, diretor de aviação do grupo de campanha de transporte mais limpo Transport & Environment (T&E).
A T&E estimou que as três rotas afetadas pela proibição representam apenas 0,3% das emissões produzidas pelos voos decolando da França continental e 3% das emissões dos voos domésticos do país.
Se fossem acrescentadas as cinco rotas adicionais que as autoridades francesas pretendem incluir, esses valores seriam de 0,5% e 5%, respectivamente.
Isso não parece muito. Mas, embora a aviação como um todo represente atualmente cerca de 2,5% das emissões globais de carbono, estima-se que sua contribuição geral para as mudanças climáticas seja maior, devido aos outros gases, vapor d’água e rastros que os aviões emitem.
Além do mais, é uma indústria em rápido crescimento – apesar da pausa imposta pela Covid-19 – e está a caminho de ser uma das indústrias que mais contribuem com emissões significativas no futuro. As emissões da aviação na Europa aumentaram, em média, 5% ano a ano entre 2013 e 2019, de acordo com a UE.
As companhias aéreas pagam zero impostos ou taxas sobre o combustível na UE, ao contrário de outras formas de transporte. As passagens de avião também estão isentas do imposto IVA.
Mais restrições por vir
Do lado positivo, apesar de seu impacto limitado, a decisão francesa estabelece um precedente que será difícil de ignorar pela indústria da aviação, em um momento em que está sob crescente escrutínio do público, bem como dos políticos.
“A medida francesa é tão marginal em seu escopo atual que é um teatro de sustentabilidade, em vez de ter qualquer impacto material nas emissões”, diz Patrick Edmond, diretor-gerente da Altair Advisory, uma consultoria de aviação com sede na Irlanda.
“No entanto, podemos olhar para isso de uma maneira diferente – como o prenúncio de mais restrições à aviação, o que é provável se a indústria não levar mais a sério a descarbonização”.
A França não é o primeiro país europeu a adotar uma linha dura em voos curtos. Em 2020, o governo austríaco resgatou a transportadora nacional, Austrian Airlines, com a condição de que cancelasse todos os voos que uma viagem de trem pudesse levar menos de três horas.
Na realidade, apenas a rota do voo Viena-Salzburg foi cortada, com os serviços de trem aumentados na linha em resposta. Uma rota igualmente curta, de Viena a Linz, foi transferida para a ferrovia em 2017.
Nesse mesmo ano, o governo também lançou um imposto de US$ 32 em todos os voos de menos de 350 quilômetros partindo de aeroportos austríacos.
Outros países europeus também estão considerando restrições aos voos comerciais de curta distância – uma medida que pode ser bem-vinda, já que 62% dos cidadãos europeus apoiariam a proibição de voos de curta distância, de acordo com uma pesquisa de 2020.
A Espanha delineou planos para cortar voos onde as viagens de trem levam menos de 2 horas e meia até 2050.
Não é de surpreender que esses movimentos tenham disparado o alarme na indústria da aviação.
De acordo com um relatório de 2022 encomendado pela European Regional Airlines Association (ERA), juntamente com vários outros órgãos da indústria aeroespacial, se todo o tráfego aéreo em rotas de menos de 500 quilômetros mudasse para outra forma de transporte, o potencial de poupança de carbono totalizaria até 5% das emissões na UE.
“Para muitos tomadores de decisão, proibir voos de curta distância e mostrar apoio à indústria ferroviária é uma vitória fácil para ganhar o favor do público, especialmente na Europa”, disse Montserrat Barriga, diretor-geral da ERA, à CNN.
Mas Barriga e outros – em ambos os lados da questão – apontam para o duplo padrão de restringir voos de curta distância e eliminar gradualmente as permissões de carbono para voos na Europa, sem tomar medidas importantes para limitar as conexões fora do bloco.
Voos de longo curso produzem a maior parte das emissões globalmente. Um artigo acadêmico recente no Journal of Transport Geography descobriu que, embora voos de menos de 500 quilômetros representem 27,9% das partidas na UE, eles representam apenas 5,9% do combustível queimado. Em contraste, os voos com mais de 4 mil quilômetros representam apenas 6,2% das partidas da UE, mas 47% do combustível queimado.
“Os governos continuam ignorando a maior fonte de emissões da aviação – voos de longa distância, que permanecem sem preço e sem regulamentação”, diz Dardenne da T&E. “A proibição de voos não deve ser usada pelos governos como uma distração do problema real”.
Obstáculos à mudança
Enquanto as ferrovias estão abrindo novos caminhos pela Europa, desempenhando um papel no recente colapso da Alitalia, a companhia aérea nacional da Itália, as operadoras ferroviárias poderiam fazer mais, diz Jon Worth, fundador do grupo de defesa pública Trains for Europe.
Preços altos e frequências baixas continuam sendo um obstáculo para que mais pessoas deixem de voar, diz ele – especialmente em rotas principais como Paris para Amsterdã, Frankfurt e Barcelona.
“Em alguns corredores, o transporte ferroviário poderia obter uma fatia do transporte multimodal muito acima do atual. As operadoras ferroviárias têm se concentrado em maximizar o lucro em vez da participação no mercado. O último só pode ser alcançado operando as ferrovias como um serviço público ou introduzindo mais concorrência”, diz ele.
Uma melhor conectividade entre trens intermunicipais e aeroportos também reduziria a necessidade de voos de curta distância. Worth acrescenta que é fundamental oferecer passagens combinadas, para que, por exemplo, se um comboio atrasa e se perde a ligação, os viajantes ficam acomodados no próximo, como já acontece com os voos com ligação.
Isso funciona muito bem em países onde as companhias aéreas e operadoras cooperam, incluindo Alemanha, Áustria, França, Suíça e Espanha. Em fevereiro de 2023, a companhia aérea italiana ITA Airways – sucessora da Alitalia – assinou contrato para trabalhar com a operadora ferroviária nacional da Itália para criar links.
No entanto, esta é uma área onde ainda há muito a ser feito. Para começar, os esquemas acima são limitados às transportadoras nacionais. Espera-se que uma proposta de legislação, chamada Multimodal Digital Mobility Services, seja adotada pela Comissão Europeia em 2023, com o objetivo de facilitar esse tipo de viagem intermodal de maneira mais ampla.
De volta à França, tempos de viagem de trem mais curtos e frequências aumentadas podem significar o fim da linha para mais rotas aéreas domésticas. No entanto, os avanços na tecnologia de voo limpo podem eventualmente mudar as perspectivas para a aviação regional.
Os voos de curta distância serão provavelmente os primeiros segmentos da indústria da aviação a descarbonizar, já que a maioria dos projetos em andamento nas áreas de aviação elétrica, híbrida-elétrica e movida a hidrogênio se concentram justamente em pequenos aviões, projetados para percorrer distâncias muito curtas.
O debate parece destinado a continuar nos próximos anos, à medida que os parâmetros ambientais, sociais, econômicos, políticos e tecnológicos que moldam essa discussão continuam a evoluir – e à medida que a crise climática continua.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Europa trabalha para trocar aviões por trens em rotas de curta distância no site CNN Brasil.
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